Nascemos numa determinada família e nela despontamos num momento histórico do seu percurso de longas e sucessivas gerações. Não emergimos no vazio, mas num campo estruturado, onde os graus de liberdade não são infinitos. A história familiar prévia ao nosso nascimento encerra um campo relacional (também intergeracional) cujas forças nos submetem e condicionam. Não tivemos sobre isto qualquer escolha e na verdade nele nos inserimos com amor e devoção.

Por vezes a intensidade da vinculação aprisiona, geram-se situações de estagnação, dificuldades e sintomas que tomam conta de algumas ou até de todas as áreas da vida (trabalho, relações, saúde…), tornando necessário um trabalho psicoterapêutico. Temos alguma influência sobre o modo como nos deixamos reter nos enredos familiares, por vezes apenas precisamos de percepções criativas. Sermos capazes de ver como se ordenam os sistemas de relações em que estamos inseridos, ter uma imagem do conjunto entrelaçado de necessidades, é uma descoberta que por si só pode originar mudanças. Informados por essa percepção nova, espontaneamente somos levados a adoptar uma atitude diferente perante as pessoas que nos pertencem, perante as suas vidas e os seus destinos, movimentamo-nos em direcções novas e diferentes.
lynne hope blue eyes
Um dos aspectos que com frequência se observa em psicoterapia, diz respeito ao facto de a pessoa se aferrar àquilo que acredita que não foi possível receber dos seus pais. Algumas pessoas chegam a afirmar “não és digno de ser meu pai/  minha mãe” ou “eu não tenho pai/ mãe, nunca quis saber de mim”.
Com esta atitude permanecem na ânsia de um dia poder, finalmente, reencontrar os pais idealizados. Profundamente capturados na sua mágoa, colocam a si mesmo poucas possibilidades: receber aquilo que sempre ansiaram ou cair num estado apático, reivindicativo, ou alternando entre estes extremos. Sob este estado de falta de, propicia-se o desenvolvimento de sintomatologia depressiva.
Aprender a desenredar-se daquilo que produz a mágoa passa, numa primeira fase do processo psicoterapêutico, pelo reconhecimento das necessidades e anseios próprios,  que podem ser necessidades de pertença, de segurança, de confiança, de alcançar maior proximidade e afecto. Integrar essas ansiedades como parte de si é um passo inicial, mas decisivo, do trabalho pessoal de cura e crescimento. 
O movimento seguinte e o de se conectar aos pais como fonte de vida. É um movimento complexo, exige labor psicoterapêutico, pode ser demorado, mas não conheço nenhum outro movimento mais rápido para resolver o problema, libertar do enredo, levar a abrir-se e viver de um modo mais criativo.
 
Eva Jacinto – Porto, 04.11.2020
Desenho: Lynne Hope 

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