Que mudanças detecta nos professores que trabalham com constelações familiares?
Marianne Franke: Com as constelações familiares as pessoas adquirem uma experiência profunda do seu enraizamento na família de origem. Também compreendem que esse enraizamento na sua família determina a sua personalidade enquanto professores. É possível que os professores que experienciaram as constelações familiares não façam melhor, mas estarão mais conscientes. Na relação com os seus alunos, já não dependem das interpretações. Reconhecem as situações e exigem com mais clareza aquilo que a escola exige às crianças: a sua concentração no compromisso social e na predisposição para aprender.
Marianne Franke-Gricksch é psicoterapeuta e professora de estudos avançados sobre visão sistémica e constelações familiares. É pioneira da pedagogia sistémica – aplicação do pensamento sistémico ao campo pedagógico . É autora do livro “You’re One of Us. Systemic insights and solutions for teachers, students and parents“, Carl-Auer, publicado em 11 línguas.
As constelações familiares são uma técnica inovadora que permite identificar num curto período de tempo dinâmicas familiares inconscientes que geram sofrimento e dificultam as nossas possibilidades de crescimento e de aprendizagem.
Em Maio de 2020 Marianne Franke-Gricksch irá conduzir um workshop de constelações familiares no Porto. Neste workshop os participantes podem trazer os seus problemas, preocupações e perguntas. Esses temas serão trabalhados com a ferramenta das constelações.
Durante o decurso da sua
trajectória como psicoterapeuta, Bert Hellinger colocava ainda mais ênfase que
os seus predecessores (V. Satir, M. Selvini, I. Böszörményi-Nagy) ao assinalar que,
num nível subconsciente profundo, participamos da trama familiar e do seu
destino colectivo. Assim, as relações com os nossos pais, irmãos, avós, tias e
tios, podem desencadear forças-efeito. No âmbito das constelações familiares,
Hellinger consegue desvelar que fazemos parte de uma grande alma que compreende
todos os membros da família.
Sentimos quanto amamos os nossos pais, servimos as nossas famílias e, na nossa vida, tentamos com frequência e involuntariamente compensar a culpa ou a aflição de pais ou parentes de gerações anteriores. Estamos inclusivamente dispostos a ocupar o lugar de familiares falecidos trágica ou precocemente, a saldar perdas graves ou actos de pais ou parentes. Deste modo, as pessoas não vivem uma vida auto-determinada, antes sentindo-se estranhas a si próprias; mas mais ainda, algumas pessoas sentem-se impelidas para uma morte prematura.
Mediante a constelação familiar, Hellinger demonstra que existe uma ordem essencial, dentro da qual todos os membros da família se sentem cómodos e indica caminhos para que encontremos essa ordem, como para que encontremos um lugar adequado para nós no seio da nossa família. Antes de mais, aqui trata-se de respeitar o destino dos outros membros da família, especialmente o dos pais e irmãos. Por outro lado, mostram-se também as vias para recuperar o luto deslocado, que com frequência continua a afectar as pessoas, mesmo várias gerações depois. Os destinos implicados de vários membros da família, as vezes já falecidos, ficam expostos e podem ser resolvidos através do respeito em relação a essas pessoas. O respeito e o amor familiar não são um sentimento, mas uma postura baseada em princípios que, na maioria dos casos, não é consciente. É frequente, então, que as nossas opiniões e pareceres acerca de questões familiares difiram claramente das nossas acções, que estão sustentadas na força desta posição não consciente. Em todas as suas recomendações de possíveis e necessárias mudanças de posição relativamente a pais, irmãos e parentes, Hellinger reitera sempre que a nossa inclusão na grande alma é uma sina e que estamos sujeitos ao nosso destino (familiar).
Bert Hellinger qualifica este procedimento como “sistémico fenomenológico”, em contraposição com o enfoque “sistémico construtivista”, que tratarei exaustivamente mais adiante.
Para configurar uma constelação familiar, elegem-se representantes que compõem imagens familiares. Abre-se então um campo, no qual os participantes experimentam os sentimentos e a situação das pessoas a quem representam. Pode dizer-se, então, que o campo emergente de uma família é um fenómeno que condiciona os sentimentos e a situação dos membros Individuais de tal família. Se se modificam as posições de um cliente dentro da constelação familiar, o campo pode reordenar-se e esta intervenção poderia ser percebida como sanadora.
Diferentemente do enfoque de Bert Hellinger, os procedimentos das escolas sistémico-construtivistas perseguem o objectivo de reconfigurar a realidade. No quadro de um processo democrático, a pessoa emancipa-se da sua família e transforma-se em individuo. Consegui aplicar este conceito como ponto de partida para desenvolver um trabalho rico e criativo. Contudo, quando seguia o trabalho de Bert Hellinger, as crianças experimentavam conhecimentos e transformações fundamentais, num plano diferente e mais profundo. O reconhecimento das ordens do amor, o respeito pelo destino, a submissão perante o incompreensível e inevitável, o luto recuperado, tudo isso lhes deu uma nova segurança, conseguiram extrair ideias da hipnoterapia e da orientação sistémico-construtivista da terapia familiar para prosseguirem o desenvolvimento criativo.
Marianne Franke-Gricksch (2006). “Eres Uno de Nosotros. Miradas e Soluciones Sistémicas para Docentes, Alumnos y Padres“. Editorial Alma Lepik, Buenos Aires. Traduzido do castelhano por Eva Jacinto Desenho de Alexandra Duprez, 2010
Por Marianne Franke-Grickschin “Eres Uno de Nosotros. Miradas e Soluciones Sistémicas para Docentes, Alumnos y Padres” (2006) *
Como docentes,
por vezes tendemos a lamentar o contexto de origem de um aluno, como se o mais
importante fosse que essa criança tenha bons resultados escolares e não que ela
seja leal à sua família de origem e se sinta nela integrada. Contudo, não nos
corresponde realizar essa avaliação, que só conduz a uma relação tensa entre
professor e aluno. Os pais ocuparão uma posição mais conciliadora quando um
professor dá sinais, directa ou indirectamente, de “eu respeito o destino que
se desenvolve na sua família. Não quero assinalar falhas nem oferecer ao seu
filho melhores alternativas em relação à casa dos seus pais, mas somente
indicar-lhe um caminho para que ele possa explorar o mundo fora da casa dos
pais, sem ser-lhes infiel”. Deste modo, a criança está contida e livre de
tensões entre as duas autoridades.
Ao mesmo
tempo enviamos aos pais o sinal de que “podem confiar-me com toda a
tranquilidade o vosso filho na escola”. Como docentes, limitamo-nos, assim, à nossa
missão de ensinar e de criar um campo social no espaço da turma.
O respeito
frente às famílias de origem não somente apoia a autoridade dos pais, como
também fortalece a autoridade do professor, o qual, com o seu trabalho na sala
de aula, persegue sem dúvida metas e valores diferentes dos dos pais em suas
casas. Os docentes demonstram aqui a sua força na condução; no estudo e na convivência,
reclamam o cumprimento das regras que regem a aula e o respeito pela convivência
social, assim como a consideração pelo destino de todos os companheiros.
A partir da
minha experiência posso dizer que, mercê desta postura clara relativamente às
questões de autoridade, consegue-se desactivar em muitas turmas, e especialmente
em muitas casas dos pais, uma atmosfera violenta. Mais de um progenitor me
confiou reservadamente que se sentia envergonhado por ter batido no seu filho e
que tinha começado a modificar-se algo desde que sentia que eu (a professora)
respeitava os lares das crianças.
Há muitas
casas que são cépticas, hostis ou temerosas em relação a escola ou aos
professores, de acordo com experiências que os progenitores carregam. Ocasionalmente
chegam até a ajudar os seus filhos a defenderem-se, a não cooperarem de uma
forma incondicional e apoiam-nos contra o docente.
A atitude do docente anteriormente descrita anula estas tendências, tal como mostrei nalguns exemplos. Tal atitude convida os pais a não projectarem as suas más experiências sobre os seus filhos, permitindo que eles ocupem posições novas.
* Marianne Franke-Gricksch (2006). “Eres Uno de Nosotros. Miradas e Soluciones Sistémicas para Docentes, Alumnos y Padres“. Editorial Alma Lepik, Buenos Aires. Traduzido do castelhano por Eva Jacinto Desenho: Criança, de Violeta Lopiz